" Cidade Alta de Jerusalém 7 de abril de 30 d.C.
8 da manhã às 3 da tarde
Jesus suporta seu castigo. Como qualquer outro condenado, suas mãos estão presas à argola de metal no topo do poste, obrigando-o a ficar imóvel. Dois legionários estão atrás dele, um de cada lado.
Ambos trazem nas mãos um flagrum com cabo de madeira, do qual pendem três tiras de couro de cerca de 90 centímetros de comprimento cada. Hoje, em vez de pedaços de metal ou ossos de carneiro, os carrascos afixaram às suas pontas pequenos pesos de chumbo conhecidos como plumbatae. A escolha é estratégica.
Esses acessórios não rasgam a carne e o músculo tão rápido quanto suas versões pontiagudas, mais afiadas, conhecidas como scorpiones. Ainda não está na hora de Jesus morrer. Um terceiro legionário ao lado deles segura um ábaco para contabilizar o número de golpes infligidos. O quarto membro do quaternio é o homem responsável por amarrar e acorrentar Jesus ao poste.
Ele agora continua ali para substituir qualquer membro do esquadrão da morte que venha a se cansar da tarefa. Por último, há ainda a figura do exactor mortis, o homem responsável por supervisionar o grupo. Jesus sente as chicotadas.
Não há intervalo entre os golpes. No instante em que um carrasco puxa o açoite de volta, o outro estala seu chicote nas costas de Jesus. Mesmo quando as tiras de couro e os pesos de chumbo se embaraçam, os soldados não param de brandi-los.
O número máximo de chicotadas que um homem pode receber de acordo com a lei de Moisés é de “quarenta menos um”, mas os romanos nem sempre dão importância aos pormenores da lei judaica. Pilatos ordenou que aqueles homens açoitassem Jesus, de modo que eles o farão até o Nazareno estar fisicamente destruído, mas ainda vivo.
Esta é ordem: ele deve ser flagelado, mas sob hipótese nenhuma deve morrer. Após o açoitamento, Jesus é libertado das correntes e colocado de pé. Ele gritou de dor durante o castigo, mas não vomitou nem teve convulsões, como costuma acontecer com muitos outros.
Mesmo assim, ainda está perdendo muito sangue por causa de suas costas dilaceradas. As marcas dos açoites descem até suas panturrilhas. Além da desidratação que o atormentou durante toda a noite, Jesus começa a entrar em estado de choque. O esquadrão da morte romano, sem dúvida, fez um excelente trabalho.
Flagelando o Nazareno com precisão cirúrgica, eles o levaram à beira da morte. Pilatos havia deixado claro que isso seria tudo que eles fariam no dia de hoje. Mesmo assim, os soldados ficam de prontidão para qualquer eventualidade. As mãos de Jesus ainda estão amarradas à sua frente.
Ele é conduzido lentamente de volta para a prisão, onde os soldados romanos têm a chance de se divertir à sua maneira com aquele prisioneiro tão especial.
Jesus não reage quando eles enrolam aquela capa púrpura imunda em volta do seu corpo nu, sabendo que ela logo ficará grudada em suas feridas. Os soldados então fazem de um caniço um cetro e o colocam nas mãos de Jesus, zombando mais uma vez de sua afirmação de que é um rei.
Em vez de se apiedarem do homem que acabara de suportar uma flagelação, eles cospem no Nazareno. Se eles tivessem parado por aí, isso teria sido apenas a grosseira diversão de um grupo de homens perversos. Mas o deboche logo se transforma em sadismo. Até este momento, seria possível dizer que eles eram apenas soldados fazendo o trabalho para o qual foram treinados.
Certamente os esquadrões da morte nazistas da Segunda Guerra Mundial, cuja conduta se basearia em grande parte nas atitudes frias e desumanas do quaternio romano, usaram esse argumento para se defender.
Os atos de Júlio César e de tantos outros guerreiros romanos demonstram com clareza que punições inimaginavelmente duras eram a forma-padrão de lidar com os inimigos de Roma. Havia inclusive uma espécie de criatividade patológica em seus métodos. Mas os soldados que vigiam Jesus vão mais além.
Não se trata de um único esquadrão da morte, mas de toda uma companhia de legionários escolhidos a dedo por Pilatos. Em mais uma exibição de crueldade, começam a cortar os ramos de um arbusto alto e branco.
A Rhamnus nabeca possui folhas elípticas rígidas e pequenas flores verdes, mas sua principal característica são os espinhos afiados e curvos de 2,5 centímetros que brotam rente uns aos outros em seus caules.
Os soldados estão dispostos a suportar as espetadas enquanto enrolam vários ramos para formar uma coroa. Quando terminam, essa grinalda é o complemento perfeito para o caniço e a capa púrpura.
Viva o rei! Jesus está fraco demais para protestar quando a coroa de espinhos é encaixada em sua cabeça e os espinhos se enterram em sua pele. Eles dilaceram quase imediatamente os vários nervos que cercam o crânio e então se chocam contra o osso.
Escorre sangue pelo seu rosto. Jesus fica ali, humilhado, na pequena cela, enquanto os soldados dançam ao seu redor – alguns dando-lhe socos, cuspindo nele e se ajoelhando para louvar seu “rei”.
Não satisfeitos, os soldados arrancam o caniço das mãos de Jesus e o usam para golpear sua cabeça com força, o que afunda ainda mais os espinhos em sua pele. A dor é imediata, irradiando pelo rosto de cima a baixo.
Para a alegria dos carcereiros, eles bolaram um dos mais terríveis métodos de tortura que já se imaginou. Mas, quando parece que Jesus já não pode mais suportar o suplício, os soldados são informados de que Pilatos gostaria de ver o prisioneiro.
Ele então é levado novamente à praça pública, onde o Sinédrio e seus fiéis seguidores o aguardam. A visão de Jesus está turva. Fluidos se acumulam pouco a pouco em seus pulmões. Ele tem dificuldade para respirar.
Mesmo tendo previsto sua morte desde o início, os pormenores de seu fim são apavorantes. Os chefes dos sacerdotes e líderes religiosos observam-no dar um passo à frente, a coroa de espinhos ainda em sua cabeça. Sua presença é a memória do homem que os humilhou publicamente nos pátios do Templo há apenas três dias.
Eles veem quanto ele sofre agora, mas não se compadecem. Jesus deve morrer – e quanto mais dolorosa for sua morte, melhor. São 9 da manhã e Pilatos está novamente sentado no trono de juiz.
Ele tenta mais uma vez libertar Jesus. – Eis o rei de vocês – diz ele com irritação para o grupo de líderes religiosos e seus discípulos. Aqueles homens deveriam estar nos pátios do Templo, pois o sacrifício dos cordeiros está prestes a começar.
– Mata! – respondem os líderes religiosos em coro.
– Mata! Crucifica-o!
Pilatos está cansado de discutir. O governador romano não é conhecido por sua compaixão e acredita ter feito tudo ao seu alcance. O destino de Jesus simplesmente não vale tanto esforço.
– Devo crucificar o rei de vocês? – pergunta ele, querendo ouvir uma última confirmação. – Não temos rei senão César – responde um dos chefes dos sacerdotes.
Ao pé da letra, essas palavras são uma heresia, pois ao dizê-las o sacerdote está rejeitando o próprio Deus dos judeus em favor do deus dos romanos pagãos.
Os seguidores do Sinédrio, no entanto, não percebem a ironia da situação. – Que crime ele cometeu? – grita Pilatos.
– Crucifica-o! – respondem eles. Pilatos ordena que uma pequena tigela de água seja trazida. Ele mergulha as mãos no recipiente e se põe a lavá-las, como num ritual.
– Estou inocente do sangue deste homem – diz ele aos líderes religiosos.
– A responsabilidade é de vocês.
Mas, na verdade, a responsabilidade é de Pilatos. Somente o governador romano possui o ius gladii – “o poder da espada”. Ou, em outras palavras, o direito de executar quem quer que seja.
Então Pilatos ordena a seus carrascos que se encarreguem de Jesus. Enquanto eles levam o Nazareno para ser crucificado, Pôncio Pilatos se prepara para almoçar cedo. A capa púrpura é arrancada, mas a coroa de espinhos permanece.
O esquadrão da morte deposita uma tora de madeira bruta sobre os ombros de Jesus. Ela pesa entre 22 e 31 quilos, tem pouco mais de 1,80 metro de cumprimento e suas farpas entram com facilidade nas feridas abertas no corpo do Nazareno.
A humilhação no palácio de Pilatos agora está concluída, e a procissão rumo ao local de execução tem início.
Na dianteira do grupo está o oficial conhecido como exactor mortis. Conforme manda a tradição, esse centurião carrega um letreiro com dizeres em grego, aramaico e latim. Normalmente, os crimes do condenado estão listados no letreiro, que será pregado à cruz acima dele.
Desta forma, qualquer um que passe saberá por que aquele homem foi crucificado. Portanto, se a acusação for de traição, é isto que deve constar no letreiro. Pôncio Pilatos, entretanto, decide mudar a tradição.
Em uma última tentativa de levar a melhor sobre Caifás, o governador escreve ele próprio a inscrição, usando um pedaço de carvão: Jesus de Nazaré, o rei dos judeus.
– Não escrevas “O Rei dos Judeus”, mas sim que esse homem se dizia rei dos judeus – exige Caifás antes de a procissão seguir caminho para o local da crucificação.
– O que escrevi, escrevi – responde Pilatos, arrogante.
O letreiro segue à frente enquanto Jesus e seus quatro carrascos fazem o lento e doloroso caminho até o Gólgota, a colina utilizada pelos romanos para suas execuções. O trajeto é de pouco menos de 800 metros, conduzindo Jesus pelas ruas pavimentadas da Cidade Alta de Jerusalém, atravessando a porta do Jardim e subindo até a colina baixa em que uma trave vertical o aguarda. Já é quase meio-dia.
Uma plateia considerável se reuniu para assistir ao espetáculo, apesar do sol a pino. Carpinteiro de profissão, o Nazareno sabe como se deve carregar uma tora de madeira, mas faltam-lhe forças.
O exactor mortis fica preocupado ao notar que Jesus tropeça repetidas vezes. Se o condenado morrer antes de chegar ao local de execução, é ele quem será responsabilizado.
Então um peregrino que assiste à cena, um judeu africano chamado Simão de Cirene é chamado para carregar a trave mestra para Jesus.
A procissão continua. Apesar da ajuda, o Nazareno está constantemente prestes a desmaiar. Cada tropeço enterra mais ainda os espinhos em seu crânio. Jesus está com tanta sede que mal consegue falar.
Enquanto isso, poucas centenas de metros à frente, nos pátios do Templo, a celebração da Páscoa já começou há tempos, desviando a atenção de muitos dos que reverenciam Jesus e que estariam se rebelando para salvar sua vida. O local de execução, chamado Gólgota, não é uma colina extensa.
Trata-se de uma pequena elevação que se ergue nas proximidades dos muros de Jerusalém. Na verdade, qualquer um que esteja em cima daqueles muros poderá assistir à crucificação de Jesus sem precisar sequer erguer os olhos e inclusive ouvir cada palavra que ele disser, se ele falar alto o suficiente. Mas há horas Jesus não diz nada.
Quando a procissão chega ao topo do Gólgota, os soldados mandam Simão embora e jogam a trave mestra no chão de terra e calcário – que alguns chamam de “pedra de Jerusalém”.
A partir de agora, o esquadrão da morte assume o controle. Eles deitam Jesus à força no chão, posicionando seu tronco sobre a trave superior, o patibulum. Em seguida, suas mãos são esticadas e dois soldados depositam todo o peso sobre seus braços estendidos, enquanto outro se aproxima com um martelo de madeira grosso e um prego de ferro de 15 centímetros com uma haste quadrangular que se afunila até ficar pontiaguda.
O soldado martela a ponta do prego na carne de Jesus, no exato local em que o rádio e a ulna, os dois ossos que compõem o esqueleto do antebraço, se encontram com os ossos do carpo no punho.
Ele enfia o prego com força na pele para estabilizá-lo antes da martelada. Jesus grita de dor quando o ferro perfura o local. Os romanos usam o punho porque assim o prego não atinge o osso, atravessando toda a carne e chegando à madeira com apenas uns dois golpes do martelo.
Os ossos do punho, por sua vez, cercam o tecido mole, formando uma barreira. Então, quando a cruz é içada e aqueles pregos precisam sustentar o peso do corpo da vítima, os ossos evitam que a fina camada muscular se rompa, impedindo assim que o condenado caia no chão. Com o primeiro punho já preso, o carrasco passa para o outro.
Uma multidão assiste à cena do pé da colina. Entre ela estão a amiga devota de Jesus, Maria Madalena, e sua mãe, Maria. Ela veio a Jerusalém para a Páscoa, sem ter ideia da tragédia que se abateria sobre o filho. Agora já não pode fazer nada além de acompanhar sua agonia.
Depois que Jesus é pregado à trave mestra, os carrascos o colocam de pé. É preciso ficar atento ao equilíbrio, pois o peso da madeira está agora sobre suas costas, e não sobre seus ombros. Fragilizado como está, seria fácil ele cair para a frente.
Os soldados seguram as duas extremidades da trave e um terceiro ajeita Jesus enquanto eles o recostam contra a trave vertical que completará a cruz.
O staticulum, como é chamada a trave que fica enterrada no chão, tem quase 2,5 metros de altura. Nos casos em que os romanos querem que a vítima sofra por dias a fio antes de morrer, um pequeno assento é acrescentado na metade de seu comprimento.
Mas amanhã é sábado, e a lei judaica determina que qualquer homem deve ser baixado da cruz antes do início deste dia.
Os romanos querem que Jesus morra depressa. Portanto, não há assento (sedile) em sua cruz. Tampouco há um descanso para os pés. Em vez disso, quando chegar a hora de pregar seus pés à cruz, eles precisarão ser dobrados em um ângulo cruel.
Um dos soldados agarra Jesus pela cintura e ergue seu corpo enquanto os outros dois içam suas respectivas extremidades da trave mestra. O quarto carrasco está no topo de uma escada apoiada contra o staticulum, guiando a trave mestra até o pequeno encaixe talhado no topo da peça vertical.
O peso do corpo do condenado mantém a trave encaixada. E é assim que agora Jesus de Nazaré está pendurado na cruz. Há ainda outro momento de agonia quando os joelhos de Jesus são ligeiramente dobrados, seus pés colocados um sobre o outro e pregados à madeira.
O prego ultrapassa os ossos finos do metatarso para chegar à madeira, mas, surpreendentemente, nenhum deles se quebra, o que é inusitado em uma crucificação.
Por fim, no espaço logo acima da cabeça de Jesus, o letreiro trazido pelo exactor mortis é também pregado à cruz.
Terminada a parte mais dura do trabalho, o esquadrão da morte começa a zombar de Jesus, jogando dados para sortear sua túnica antes tão valiosa, gritando para ele:
– Se você é o rei dos judeus, salve-se a si mesmo.
Os carrascos romanos permanecerão no Gólgota até Jesus morrer. Eles beberão seu vinho avinagrado e até o oferecerão a Jesus. Se necessário, quebrarão suas pernas para acelerar o processo. A morte na cruz é uma forma lenta de sufocamento.
Cada vez que a vítima inspira, ela precisa lutar contra o próprio peso do corpo e empurrar o tórax para cima usando as pernas, permitindo assim que os seus pulmões se dilatem.
Com o passar do tempo, a vítima, exaurida, não consegue mais inspirar nem expirar.
Três horas se passam. A celebração da Páscoa continua nos pátios do Templo. Os sons de cantorias e trombetas percorrem toda a cidade e chegam até o local de execução.
Jesus pode ver o Monte do Templo com clareza de seu lugar na cruz. Ele sabe que muitos ainda estão esperando por ele. A notícia de sua execução não chegou muito longe, para o alívio de Pilatos e Caifás, que ainda temem que os seguidores de Jesus iniciem uma rebelião ao saberem de seu assassinato.
– Tenho sede – diz finalmente Jesus, cedendo à desidratação que o aflige há mais de 12 horas.
Sua voz não passa de um sussurro. Um soldado encharca uma esponja com seu vinho avinagrado, erguendo-a até os lábios do Nazareno, sabendo que o líquido fará suas feridas arderem. Jesus suga o líquido ácido.
Pouco depois, olha para Jerusalém pela última vez antes de o inevitável acontecer.
– Está consumado – diz.
Jesus baixa a cabeça. A coroa de espinhos se mantém firme.
Ele perde a consciência. Seu pescoço relaxa. Todo o seu corpo cai para a frente, afastando seu pescoço e seus ombros da cruz. Somente os pregos em seus punhos o mantêm no lugar.
O homem que um dia pregou o Evangelho com tamanho destemor, que viajou longas distâncias para contar ao mundo sobre uma nova fé e cuja mensagem de amor e esperança alcançou milhares de pessoas ao longo de sua vida – e no futuro alcançará bilhões de outras – para de respirar. Jesus de Nazaré está morto. Ele tem 36 anos." (trechos do livro de O'Reilly, Bill; Dugard, Martin. "Os últimos passos de Jesus: Um fascinante relato histórico da vida e dos tempos de Jesus" . Editora Sextante)
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